TRUCO

06:00

Eu aprendi a jogar Truco quando tinha uns 16 anos, e quem me ensinou foi a minha irmã que é mais nova. Sempre fui mais lerda nesses quesitos, mas enfim o Truco é um jogo de raciocínio rápido onde a confiança ganha jogo e o medo só atrapalha.

Se você sabe jogar você vai perceber que muitas vezes em questões do dia a dia recebemos uma TRUCADA ou outra e ai meu amigo ou vc aceita, ou você corre ou se estiver na maré boa você pede aquele SEISSSSS com gosto. No jogo ta tudo muito claro, quando você ouve um Truco pelas suas cartas, pelo placar você decide rapidamente o que fazer. Já na vida ahhh na vida não é bem assim, afinal não temos cartas com as opções bem nítidas em nossas mãos, não tem um placar que vai até 12. Na vida aceitar uma trucada ou até mesmo chamar aquele seiiis vai depender da sua auto confiança, da sua experiência de vida mas principalmente do seu controle sobre o medo.


Incentivada pelo meu príncipe irlandês, eu comecei a me candidatar a vagas de engenheira na Irlanda. Eu sinceramente não botava a menor fé que me chamariam se quer para uma entrevista, mas não tinha nada a perder então tentei. E não é que deu certo? Eu recebia pelo menos 3 ligações de agências por semana mas ai vinha a famosa pergunta, Qual seu tipo de visto? E infelizmente para esse tipo de vaga o visto de estudante que até te permite trabalhar não ajudava em nada e eu logo ouvia infelizmente não poderemos continuar, ou iremos analisar e entraremos em contato.

A primeira entrevista aconteceu para uma vaga que mandei o CV direto para a empresa e veja você se tudo corresse bem eles estavam dispostos a pagar o visto de trabalho pra mim. Ok que a empresa ficava em uma cidade lá dos cafundó, mas quem liga? eu trabalharia até de graça pra ter no meu CV a experiência na minha área no exterior. Ao longo dos meus 25 anos tinha participado de no máximo 3 entrevistas isso quando tinha meus 17/18 anos, imagina se não estava enferrujada. 

Me preparei como manda o figurino, li sobre a empresa, vi fotos da fabrica e dos funcionários para decidir a melhor roupa para a entrevista, só não decorei bem o meu CV porque eu achava que sabia ele de cor. Bom a entrevista foi bem legal, mas reconheço que fiquei muito nervosa e várias vezes não entendia o que o entrevistador falava, por insegurança e nervosismo. No final da entrevista entendi que eles entrariam em contato para confirmar a próxima que seria em 1 semana. Eu pensei to dentro!!! Mas a confirmação nunca chegou, eu até enviei um e-mail perguntando e ai mais de um mês depois responderam meu email dizendo que não fui selecionada.

                                                   Assim era o caminho para as entrevista 

Triste né, mas continuei mandando e ai mais uma entrevista surgiu, me preparei de novo e dei uma decoradinha no meu CV dessa vez, fiz a entrevista com o gerente da Fábrica que antes de marcar a entrevista me ligou e fez algumas perguntas. Marcada a entrevista lá fui eu pra mais uma cidadezinha distante, dessa vez deu tudo certo o Gerente gostou muito de mim e achou que eu era a candidata ideal, e então marcou uma entrevista com o DONO da empresa. Como a entrevista com o gerente foi ótima eu estava super confiante, digamos que até confiante de mais. 

Começa a entrevista estamos na sala eu e o Gerente aguardando o CEO, e ai me entra na sala o Roberto Justos versão irlandês. Eu sempre amei assistir o aprendiz mas gente a pressão de estar cara a cara com um homem bem sucedido nos negócios e foda. Começa a sessão, ele não era CEO atoa né, dono da maior empresa do ramo no país eu tinha que ter sido mais espertinha mas não fui né. Foram tantas perguntas que minha mente tinha dado pane, ele perguntou desde o motivo de eu ter pedido demissão do meu trabalho no Brasil até o que aprendi no meu curso técnico (tai uma coisa que nunca tive que explicar, porque meio que todo mundo sabe o que vc aprende, mas lá pelo jeito não sabia e eu não tinha a menor ideia de como explicar). Ele me envolveu num contexto de pressão e começou a atacar o fato de quanto tempo eu estaria disposta a trabalhar pra eles. Afinal ele alegava que pagar meu visto seria um investimento, e ele ainda acreditava que eu não ficaria muito tempo com eles, já que na região tinham algumas multinacionais fortíssimas. 


Foi nesse contexto que ele me deu a trucada Ele disse Beatriz eu tenho 3 dúvidas em relação a sua contratação:

Ele Truca:
 1 - Você vai conseguir se adaptar a vida aqui na empresa? No inverno nosso patio fica coberto de neve e temos que ir ao pátio constantemente.

Eu aceito:
1 - Acho que o clima é algo a ser relevado, estarei aqui para trabalhar vestirei meu casaco mais quente e farei meu trabalho normalmente.

Ele joga espada:
2 - Como você mulher, estrangeira irá lidar com os funcionários homens irlandeses que trabalham na nossa produção?

Eu tenho sete copas:
2 - Já passei por situação semelhante para ganhar confiança e aprendi que no começo é complicado mesmo, mas a medida que as coisas que você diz fazem sentido e seu trabalho apresenta resultados o respeito vem.

Ele tinha ZAP:
3 - Como você me garante que ficará conosco e não pedirá as contas por saudade do Brasil ou simplesmente por uma oferta melhor?

Eu ingênua mostro meu 3:
3- Cumprirei o contrato que for realizado, e pergunto : Quanto tempo você espera?

Ele colando na testa:
4- Espero que se aposente na minha empresa.

Fim de jogo pra mim, aquela afirmação abalou meu emocional rapidamente veio um filme na minha mente eu velha naquela empresa, e não é pela empresa é que não conseguia imaginar que o próximo trabalho fosse o último ainda tinha tanta empresa pra conhecer. Fosse pra ficar em um trabalho até aposentar eu não tinha saído do Brasil, acho que de certa forma ele soube disso afinal foram cerca de 2h de entrevista. 

Com todo aquele turbilhão na minha mente a única coisa que consegui dizer gaguejando foi aposentar? Não posso te prometer isso. E ele mais que de pressa disse que pena Beatriz obrigada por vir aqui, foi realmente um papo muito interessante. Uma semana depois o gerente me mandou um e-mail agradecendo, e elogiando meu CV e disse que outro candidato havia aceitado a proposta deles.

Foi a primeira vez que vi tão claro uma trucada fora do truco na minha vida, mas aprendi a lição. Hoje penso que se fosse mais corajosa teria blefado e dito que estava sim disposta a me aposentar lá mesmo que não estivesse. Afinal empresa nenhuma, te promete trabalho até aposentar, porque se a crise chegar e eles tiverem que te mandar embora vão mandar. 

A vida muitas vezes funciona como um jogo, e pra ganhar não pode ter medo de arriscar.

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